INSÔNIA: PREVALÊNCIA E FATORES DE RISCO RELACIONADOS EM POPULAÇÃO DE IDOSOS ACOMPANHADOS EM AMBULATÓRIO
Insônia é um problema comum em todos os estágios da vida, mas é particularmente comum após os 65 anos de idade. É definida como uma dificuldade para iniciar o sono ou para se manter dormindo. Os distúrbios do sono nos idosos são comuns e multifatoriais. Vários fatores, incluindo idade avançada, influências psicossociais, doenças clínicas e psiquiátricas e uso de medicações podem estar associados com insônia. Apesar disso, os fatores de risco envolvidos no desenvolvimento de insônia não têm sido completamente identificados. A privação do sono interfere de maneira negativa na qualidade de vida.
Os distúrbios do sono constituem um significante problema de saúde pública. O padrão normal do sono muda com o avançar da idade. Mudanças sociais e fisiológicas do envelhecimento contribuem para tal fato.
Estudos epidemiológicos retratam uma alta prevalência de insônia, principalmente na população idosa. Essa prevalência varia entre 5 e 35%, dependendo da metodologia utilizada e da amostra selecionada. Quanto mais idosa a população em estudo, mais alta tende a ser a prevalência de insônia, o que justifica a alta prevalência (32,38%) encontrada em nosso trabalho.
As mudanças hormonais ocorridas no sexo feminino no período pós-menopausa têm sido a explicação para a maior prevalência de insônia encontrada entre as mulheres. Essa diferença tende a ser menor quando a população estudada é mais jovem.
O uso de um questionário estruturado para avaliar a queixa de insônia é uma ferramenta importante, que auxilia o profissional de saúde na identificação de possíveis causas para o problema, ajudando a determinar a dimensão e o impacto sobre as funções de vida diária do paciente e colaborando para uma melhor caracterização da insônia. O modelo proposto neste trabalho pode ser utilizado para tal fim.
É importante classificar a insônia quanto a sua duração. Observamos que quase todos os pacientes com insônia apresentavam esse problema há mais de 6 meses, provavelmente porque, como esses pacientes foram inseridos no nosso ambulatório em 2005 e nossa pesquisa se desenvolveu em 2006, perdemos, nesse intervalo, possíveis casos de insônia transitória e de curta duração. Apesar disso, é relativamente comum uma maior prevalência de insônia crônica, principalmente quando se trata de uma população mais idosa. A prevalência de insônia ocasional não tende a mudar com o avançar da idade.
Fisiologicamente, há uma diminuição do tempo total do sono com o envelhecimento, com uma duração média de 6 horas, nas 24 horas do dia. Em nossa amostra, o tempo total de sono dos pacientes com insônia foi reduzido a 4,07 horas. Essa redução resulta em insatisfação, pois não corresponde a um tempo suficiente para um sono restaurador.
Insônia não é apenas uma diminuição da quantidade de horas de sono, mas também uma piora da qualidade das horas dormidas. A avaliação do grau de insatisfação com a qualidade do sono deve ser questionada a todo paciente com insônia. Através do questionário aplicado, pode-se perceber o impacto negativo deste problema na qualidade de vida desses idosos.
Os cochilos diurnos podem fazer parte do problema, ao reduzirem a urgência de dormir no horário convencional ou serem conseqüência de uma noite mal dormida. Mais da metade dos insones relatou cochilos diurnos, o que pode ter influência negativa na vida social desses pacientes e aumentar o risco de acidentes, como quedas.
Insônia pode ser considerada uma condição primária, mas pode coexistir com outras desordens ou ser considerada secundária a essas desordens. A maioria dos idosos sofre de uma ou mais doenças crônicas. Como descrito na literatura, várias dessas condições clínicas são consideradas fatores de risco importantes para o desenvolvimento de insônia.Deve-se sempre tentar determinar a causa de insônia, sabendo que ela pode estar associada a mais de um fator. No nosso estudo, foram considerados fatores de risco com significância estatística (p< 0,05): depressão, transtorno da ansiedade, incontinência urinária e prostatismo, osteoartrose, doença vascular periférica, demência, osteoporose, DPOC, dor crônica e DRGE. O grupo com insônia apresentou uma média de 5,56 fatores de riscos, três vezes mais que o grupo sem insônia, o que revela seu caráter multifatorial.
O estado de tensão produzido por estresse, embora seja encontrado em qualquer idade, tem prevalência muito acentuada nos idosos. As três situações psiquiátricas mais associadas à insônia no idoso são depressão, ansiedade e demência. Mais de 90% dos quadros depressivos cursam com mudanças no ciclo sono-vigília, e cerca de 50% deles são acompanhados de insônia.Morte de amigos, perda do cônjuge, perda do espaço social, dificuldades financeiras, sentimentos de abandono por parte da família, limitações físicas próprias da idade, mudanças no status social, percepção da própria condição de saúde, vários são os motivos de alterações depressivas no idoso. A insônia nesses pacientes pode ser tanto inicial, intermediária ou terminal. Normalmente, salvo muitas exceções, a ansiedade é mais responsável por insônia inicial, ou dificuldade para conciliar o sono, e à insônia intermediária, proporcionando o ato de levantar no meio da noite e não conseguir dormir mais. É comum a associação de quadros depressivos com transtornos da ansiedade, e quem tem insônia tem probabilidade muito maior de desenvolver quadros de depressão e ansiedade.As síndromes demenciais também se apresentam comumente com desordens do sono, tanto na sua evolução natural, pela piora gradual da dependência funcional, como também por outros problemas apresentados por esses pacientes, como os distúrbios de comportamento. O diagnóstico de insônia em pacientes demenciados é de difícil caracterização pela anamnese, sendo os familiares e os cuidadores fundamentais para que se obtenha o maior número de dados. Este sintoma deve ser abordado de forma cuidadosa, e fatores desencadeantes que contribuem para a alteração do ciclo sono-vigília devem ser pesquisados, tais como: estado confusional agudo, desidratação, distúrbios eletrolíticos, infecções, constipação intestinal, dor crônica, cardiopatias. Na demência, ainda em seus estágios iniciais, pode haver inversão do ciclo circadiano, quando o paciente troca o dia pela noite. Esta inversão tem sido uma das principais causas de internação em instituições de longa permanência.A insônia nesses casos tem forte impacto negativo na qualidade de vida tanto dos pacientes quanto de seus cuidadores.
Doenças genito-urinárias, como hiperplasia prostática benigna e incontinência urinária, podem levar a urgência urinária e despertares noturnos freqüentes, fazendo com que o paciente se levante várias vezes à noite para urinar.
Doenças gastrointestinais, como a doença do refluxo gastroesofágico, cursa com tosse crônica e pirose noturna. As úlceras duodenais podem despertar o paciente à noite com uma dor intensa, conhecida como “clocking”. As úlceras gástricas levam à dor crônica em queimação, também perturbando o sono.
Pacientes com doenças cardiovasculares também podem-se apresentar com insônia por interferência direta dos sintomas clínicos dessas doenças. Doença vascular periférica, arterial ou venosa, pode cursar com quadro álgico importante, dormência, câimbras e aumento da diurese noturna.
Entre as doenças respiratórias, a doença pulmonar obstrutiva crônica está muito relacionada com a piora da qualidade do sono, por interferir diretamente no processo da respiração e por produzir, freqüentemente, dispnéia e tosse crônicas.
Doenças osteomioarticulares, como osteoartrose e osteoporose, prejudicam o ciclo do sono, principalmente por dor crônica, esforços posturais e dificuldade de acomodação.
Quadros de dor crônica, decorrentes, por exemplo, de doenças oncológicas, cursam freqüentemente com depressão e ansiedade.
A insuficiência cardíaca descompensada leva a dispnéia paroxística noturna, tosse e maior diurese noturna, pela reabsorção dos edemas. O diabetes, doença metabólica muito prevalente na população, quando descompensado, pode-se apresentar com problemas urinários, que aumentam a freqüência urinária, despertando o paciente à noite. Complicações crônicas do diabetes, como neuropatia periférica, cursam com processos dolorosos que interferem diretamente na qualidade do sono.Esses dois fatores não tiveram significância estatística no nosso trabalho, provavelmente porque os pacientes da nossa população se apresentavam clinicamente compensados desses problemas no momento da avaliação.
O álcool pode afetar a arquitetura normal do sono. Muitos fazem uso do álcool para melhorar a insônia. Quando o álcool é usado como hipnótico, ele pode inicialmente diminuir o tempo de latência do sono, mas produz, no decorrer da noite, uma maior fragmentação e diminuição do sono REM. Não foi encontrado nenhum caso de uso do álcool para esse fim em nosso trabalho. Substâncias estimulantes, como nicotina e cafeína, são notoriamente causadoras de insônia e deveriam ser evitadas. Cafeína, muito consumida na população em geral, é associada com aumento do período de latência do sono, redução da eficiência do sono e despertares espontâneos. Consumiam uma quantidade relativamente grande de cafeína por dia (mais de três xícaras de café), 20,59% dos insones, e 8,82% destes eram fumantes. O uso dessas substâncias deveria ser desaconselhado para os indivíduos que sofrem de insônia.
Pacientes com insônia tendem a fazer uso indiscriminado de medicações conhecidas como sedativos hipnóticos, como os benzodiazepínicos. Observamos uma alta prevalência do uso desses fármacos (55,88%) e, entre os que não estavam fazendo uso desse tipo de medicação, 46,67% já usaram em algum outro momento. Essas medicações, quando usadas cronicamente, induzem tolerância e dependência, aumentam o risco de quedas, pioram a apnéia do sono, diminuem a coordenação motora, levam a comprometimento da função mental, confusão e amnésia anterógrada, além de não conseguirem resolver o problema de insônia no longo prazo.
As orientações sobre higiene do sono, oferecidas a todos os nossos pacientes insones, são consideradas estratégias efetivas no processo de intervenção não-farmacológica da insônia
Podemos concluir que há uma alta prevalência de insônia crônica e secundária entre os idosos; que a privação do sono interfere de maneira negativa na qualidade de vida dessa população; e que o sucesso na avaliação e no tratamento da insônia depende da busca ativa dessa queixa e do conhecimento e correção de todos os fatores de risco relacionados ao problema, como depressão, transtorno da ansiedade, incontinência urinária e prostatismo, osteoartrose, doença vascular periférica, demência, osteoporose, DPOC, dor crônica e DRGE.
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